Um pasto verde, um rebanho de ovelhas. A 20 metros o pastor, a seu lado o bode, o macho do rebanho. Tresviado, a cerca de 4 metros do seu guardião. O pastor, um míudo, talvez com 14 15 anos. O bode aproxima-se dele lentamente, passando por ele com um ar jocoso. Nesse momento o miúdo levanta a perna e passa-a por cima dele, sem o aleijar...uma brincadeira...uma dança... O bode acelera em duas passadas e dá meia volta, num pulo, atira-se sobre o seu guardião...sem malícia...como uma investida...mas carinhosa...uma brincadeira...o miúdo ri-se...eu a passar de carro, levanto o meu polegar na sua direcção...e sorrio!
Impressionante...estes pequenos pormenores não deixam de me encantar...segundos...que valem horas...
São estas pequenas coisas, que me vão dando alento para acreditar na mudança que é possível nesta sociedade e para continuar neste projecto. Que se pode acreditar.
Nos últimos tempos, feitos quase oito meses que por aqui ando, estreitei laços com estas gentes. Tenho hoje a certeza que um Argelino que é teu amigo, o é incondicionalmente. Estará lá para ti quando mais precisares. Apesar de todas as diferenças sociais, culturais e religiosas têm uma maneira de ser muito parecida connosco. Somos vizinhos, povos mediterrânicos.
Estranho este país, cheio de códigos. Aqui existe tudo, arranja-se tudo. Mulheres, álcool, drogas e tudo mais que possam pensar. Mas não do pé para a mão, tem que se conhecer e confiar... A hipocrisisa reina, pelo peso da religião. a conhecida frase que diz que a religião é o ópio do povo, aqui faz todo o sentido.
Por aqui existem homens com amantes, mantidas fechadas em apartamentos, que quando saem da linha são decapitadas e no jornal diz-se que o terrorismo anda activo. Temos professores universitários, que trocam boas notas por sexo com as alunas ou por troca com uma noite de sexo com um dos seus amigos. Temos raparigas jovens universitárias que, por vontade do pai, ficam seis meses sem porem um pé na rua. Temos jovens que engravidam raparigas, cobertos de um nome e morada falsa, que nunca chegam a cumprir as suas responsabilidades. Marcando o seu destino para sempre como lavadoras de escadas e mulheres para sempre proscritas da sociedade. E temos amizade, respeito e outros valores que se estimam como os mais altos de uma sociedade evoluída. Temos um empregado de um café ou membro da CAD Design Team a perguntar-me pela Europa, Como se vive, como se respira a Liberdade. Temos um empregado de um restaurante a fazer-me a mesma pergunta, a pedir-me uma garrafa de whisky velho da Europa. Ao mesmo tempo que tira as colheres e copos onde vão ser servidos os nossos cafés, da mão de outro empregado para as lavar melhor, saiba-se lá porquê tem uma noção de que os nossos hábitos higienicos são diferentes.
Aqui temos um projecto japonês. Se se pensa que quem não vê caras não vê corações, pense-se tambem que vê-las não significa um vislumbre de um coração. Temos japoneses que fazem contratos a filipinos de um anos com 14 dias de férias, que incluem já quatro dias de viagens de ida e volta. Temos japoneses que gritam com os mesmos por quererem gozar o feriado no dia 25, dia especial para a fé cristã. Temos japoneses que escondem o jogo, que não revelam nada. Que não fazem as pessoas sentirem-se parte de um projecto, desanimando-as mais e mais a cada dia que passa. Temos abuso de autoridade, uma falta de capacidade de resolver situações homem a homem, olhos nos olhos. Temos reuniões em salas de admnistração com tradutores porque os fazemos notar que estamos a fazer o trabalho deles, sem apoio dos mesmos. Ainda por cima tratando-se de um dos trabalhos mais difícieis e com maior valor monetário neste tipo de construção. Temos horas a fio de trabalho incansável, que não seríamos obrigados a fazer, sem um sorriso ou um obrigado. Aqui temos reconhecimento tardio, mas realmente definitivo. Temos agradecimentos feitos de uma outra forma, vindos de uma cultura completamente diferente...imaginavelmente diferente...Temos apoio e prémios que chegam de outra forma e noutros timings. Temos uma das mais estranhas formas de viver...na mais improvável das equações... um português...a trabalhar para uma empresa espanhola...para os japoneses...na Argélia...
E o que poderia ser melhor...para encararmos as nossas próprias dualidades...
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